jueves, 3 de noviembre de 2011

Picos de Roseira Brava

«Sou pessoalmente contra qualquer igreja organizada ou qualquer partido organizado, mas reconheço o direito de qualquer pessoa ser um membro seja do que for, desde que a minha liberdade pessoal não seja com isso afectada. Religiosamente falando, posso dizer que sou um católico mas não um cristão – o que significa que respeito na Igreja Católica todo o velho pragmatismo que ela conservou nos rituais, nos dogmas, etc., sob vários disfarces, tal como a Reforma protestante não soube fazer. Acredito que os deuses existem abaixo do Uno. Mas neste Uno não acredito, porque sou ateu. Contudo, um ateu que, de uma maneira de certo modo hegeliana, pôs a vida e o seu destino nas mãos desse Deus cuja existência ou não-existência são a mesma coisa sem sentido. Filosoficamente, sou um marxista para quem a ciência moderna apagou qualquer antinomia entre os antiquados conceitos de matéria e de espírito. Mas politicamente sou contra qualquer espécie de ditadura (quer das maiorias, quer das minorias), e em favor da democracia representativa. Não tenho quaisquer ilusões acerca desta – pode ser a máscara para o mais impiedoso dos imperialismos, mas isso também o podem ser outros sistemas. Sou a favor da paz e do entendimento entre as nações, e espero que o socialismo prevalecerá em toda a parte, mantendo todas as liberdades e a democracia representativa. Não subscrevo a divisão do mundo em bons e maus, entre Deus e o Diabo. Apesar da minha formação hegeliana, e também por causa dela, os contrários são para mim mais complexos do que a aceitação de maniqueísmos simplistas. Moralmente falando, sou um homem casado e pai de nove filhos, que nunca teve vocação para patriarca, e sempre foi em favor de a mais completa liberdade ser garantida a todas as formas de amor e de contacto sexual. Nenhuma liberdade estará jamais segura, em qualquer parte, enquanto uma igreja, ou um partido, ou um grupo de cidadãos hipersensíveis, possa ter o direito de governar a vida privada de alguém. Do mesmo modo, não devemos nunca pactuar com a ideia de que qualquer reforma vale o preço de uma vida humana. Mais do que nunca, num mundo onde as vidas humanas se tornaram tão baratas que podem ser gastas aos milhões, aos escritores cumpre sempre resistir. Poderemos ter revoluções – mas tenhamos esperança de que nelas as pessoas podem morrer por acidente mas nunca assassinadas.»

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